A Venezuela de Chávez
Em visita ao Brasil, o ministro da Economia Popular da Venezuela, Elias Jaua, relata o que vem sendo feito em seu país para construir outro modelo de desenvolvimento. Governo Chávez prioriza produção para consumo nacional, incentiva vocações regionais e investe no cooperativismo, na economia solidária e na integração continental.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre – O governo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, está investindo na construção de um modelo de desenvolvimento endógeno com o objetivo declarado de revolucionar a vida econômica do país. Esse modelo, uma das principais faces econômicas da Revolução Bolivariana proposta por Chávez, prioriza a produção para o consumo local e nacional, incentiva as vocações de cada região e a organização de pequenas comunidades em cooperativas, entre outras políticas.
Essas escolhas não são gratuitas. A Venezuela importa hoje cerca de 80% dos alimentos que consome. O principal produto da pauta de exportação do país é o petróleo. A história recente do país é marcada por uma total dependência em relação a esse produto. Ao mesmo tempo em que lucra com a alta mundial do preço do petróleo, Chávez quer diversificar a economia venezuelana e enraizar um sistema de economia popular e solidária no país. Segundo o ministro da Economia Popular da Venezuela, Elias Jaua, o objetivo estratégico dessa política é construir um modelo de desenvolvimento bastante distinto daquele implementado pelo receituário neoliberal na América Latina.
Jaua veio ao Brasil em missão oficial, nos marcos de uma parceria estratégica firmada entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, em fevereiro deste ano. Na sua agenda, visitas ao Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília para conhecer experiências no campo da economia solidária e da autogestão, no meio urbano e rural, de apoio à formação de cooperativas de trabalhadores, associações produtivas, empresas recuperadas, micro-crédito, comércio justo, reforma agrária e agricultura familiar.
Na capital gaúcha, o ministro venezuelano participou de um debate no auditório Dante Barone, na Assembléia Legislativa. Jaua relatou as linhas gerais do projeto de desenvolvimento endógeno que vem sendo implementado no país, um projeto que tem como objetivo estratégico maior a transição da revolução política para a revolução econômico. Um caderno desenvolvido pelo Ministério para a Economia Popular explicita claramente essa meta e quais as tendências que pretende superar:
“Nas lutas populares para alcançar a democracia econômica, uma das tarefas fundamentais que se traça o governo revolucionário é o desmantelamento do sistema capitalista e sua substituição por um modelo econômico alternativo, solidário, sustentável e coletivista, orientado ao desenvolvimento social e humano integral e um reordenamento sócio-produtivo e territorial, centrado nas vocações naturais das próprias comunidades, os valores dos nossos povos e a exploração racional das nossas riquezas. Para isso, complementa as políticas revolucionárias de radicalização da democracia e resgate da soberania política, cultural e econômica do povo venezuelano com um conjunto de políticas públicas territoriais de proteção da segurança e soberania alimentar, desconcentração populacional e identificação e promoção de eixos e pólos de desenvolvimento local e regional em todo o território nacional”.
A missão Vuelvan Caras
O ministro Elias Jaua relatou o trabalho da missão Vuelvan Caras, ligada diretamente a esse projeto de desenvolvimento. As “missões” são programas criados em função da necessidade de atacar problemas emergenciais no país e que acabaram por se tornar embriões de políticas sociais e econômicas de caráter estrutural. Em menos de dois anos, elas atingiram resultados como a alfabetização massiva de mais de um milhão de venezuelanos (Missão Robinson), o acesso à educação primária, secundária e superior de outro milhão de pessoas (missões Robinson II, Ribas e Sucre), o acesso à saúde primária de mais de 7 milhões de venezuelanos (Missão Barrio Adentro), a sustentabilidade alimentar de comunidades de baixa renda (Missão Mercal), e o início do processo de reforma agrária (Missão Zamora). O espírito das missões é deslocar a estrutura estatal até os lugares mais desamparados, onde a população mais precisa de uma forte intervenção pública.
Segundo Jaua, a Missão Vuelvan Caras nasceu para dar conta de um problema emergencial: incidir sobre a vida de cerca de 3 milhões de venezuelanos em situação de máxima exclusão. “Em um dia de loucura criativa, convocamos todos os venezuelanos que estavam desempregados para conversar com representantes do governo em vários pontos do país. Cerca de um milhão de pessoas atenderam ao chamado e partimos daí, com um processo de capacitação profissional para inserção em alguma atividade produtiva.
A missão começou, assim, com a capacitação em diferentes ofícios o que exigiu do governo uma contratação massiva de instrutores”, relatou. Em um primeiro momento, cerca de 300 mil pessoas receberam capacitação, mesmo sem saber onde e como trabalhariam depois. A missão incentivou, então, sua associação em cooperativas locais de mútuo interesse, segundo as particularidades e potenciais de cada comunidade.
Esse trabalho iniciou enfrentando muitas dificuldades, observou o ministro venezuelano. “Tivemos problemas de desarticulação entre os vários ministérios envolvidos na missão. E um problema adicional. Não sei como é aqui no Brasil, mas na Venezuela há uma cultura onde cada ministério acaba se tornando um feudo particular, dificultando ações integradas”, relatou. Surgiu, assim, a necessidade de coordenar todas essas atividades e, em 2004, o governo decidiu criar o Ministério para a Economia Popular, com a Missão Vuelvan Caras já em andamento.
Os resultados foram imediatos, segundo Jaua. Quase todos os ambientes de aula acabaram se tornando cooperativas, reunindo grupos entre 20 e 30 pessoas. No dia 3 maio deste ano, as pessoas que participaram do processo de capacitação receberam seus certificados e os grupos formados por elas ganharam o registro de constituição das cooperativas. “Das 6.840 cooperativas formadas neste processo, quase 6 mil receberam financiamento do governo, a maioria delas funcionando no campo”, destacou.
Os Núcleos de Desenvolvimento Endógeno
Concluído o processo de capacitação e inserção das cooperativas na dinâmica produtiva, o projeto passou para uma outra fase, a da constituição dos Núcleos de Desenvolvimento Endógeno, que foram articulados, por sua vez, em torno de redes produtivas em torno de alguns eixos definidos como estratégicos: produção de alimentos, indústria têxtil e metal-mecânica, infra-estrutura e serviços, e turismo.
Um ano depois, a Missão Vuelvan Caras contabilizava os seguintes números: 147 Núcleos de Desenvolvimento Endógeno em funcionamento; 853 em fase de planificação; 61.965 pessoas incorporadas nestes núcleos; mais de 257 mil pessoas recebendo capacitação; 16.786 instrutores; 2.122 cooperativas da missão; e 10.100 cooperativas em fase de planificação. “Estamos colocando em prática o que está inscrito na Constituição de 1999, que prega a valorização da economia social, do cooperativismo e da economia solidária”, destacou Jaua.
“Não temos nenhuma intenção de implantar um sistema de cooperativas dirigido pelo Estado”, garantiu. “O que o governo faz é definir algumas áreas econômicas que são estratégicas para o desenvolvimento soberano do país, e oferece financiamento em condições especiais para atividades nestas áreas. A produção de alimentos, por exemplo, é um fator de segurança para a nação e precisamos avançar muito nesta área. Mas todo o resto é definido pelos próprios trabalhadores organizados nas cooperativas”. Além do incentivo à participação e à organização popular, o ministro também destacou que esse projeto só dará certo se for articulado em escala continental.
“Temos consciência de que, isolados, não teremos êxito. Por isso, estamos buscando alianças com outros países da América Latina, especialmente Brasil, Argentina e Uruguai, para a formação de redes de intercâmbio, de comercialização e de complementaridade produtiva. Essa é a integração que estamos buscando. Uma integração não só entre grandes projetos de infra-estrutura, mas principalmente uma integração entre os cidadãos do continente, uma integração onde o povo tenha protagonismo ativo para a construção de um modelo econômico solidário, diferente das políticas neoliberais que dominaram a América Latina nos últimos anos”, concluiu.
Fonte: Agência Carta Maior