Golpe em Honduras: Nossas flores podem vencer esses canhões
Para vários amigos e amigas, imagino ser esta a primeira vez em que se vê tão perto de um golpe de Estado. O sequestro e deposição do presidente hondurenho, Manuel Zelaya, refletem uma realidade nunca distante dos países latino-americanos. Mais uma vez, a democracia só é válida quando atende aos interesses dos ricos, das grandes empresas de comunicação e do comando das forças armadas. Quando não, basta colocar desenhos animados na programação da TV e encher as ruas com tanques e fuzis. Registre-se: “a única rádio que ainda transmitia informações em Honduras foi tirada do ar esta noite”.
No século XXI, este é o segundo golpe de estado na América Latina, tendo sido o primeiro, em 2002, frustrado pelo povo da Venezuela. Naquela ocasião, todo o mérito pelo restabelecimento da democracia venezuelana deveu-se aos bolivarianos, pois quase nenhum apoio lhes fora dado.
Desta vez, apesar de existir uma série de países governados pela esquerda fazendo forte pressão internacional e, consequentemente, desqualificando a investida político-militar da direita hondurenha, é impossível dizer que o golpe não se consolidará. Portanto, precisamos exigir, a nosso modo, a restituição da ordem constitucional naquele país e, sobretudo, devemos ficar vigilantes aos desdobramentos desse acontecimento e enxergá-lo em um contexto internacional, porque os golpistas, seja em Honduras ou no Irã, no Brasil ou na Bolívia, em Cuba ou no Uruguai, na Argentina ou no Paraguai, no Chile ou no Equador, “não são autodidatas”, isto é, não agem por si.
Enfim, trago abaixo um breve retrospecto sobre Honduras e recomendo os sítios www.vermelho.org.br, www.cartamaior.com.br e www.outroladodanoticia.com.br, os quais têm feito boa cobertura. Ademais, neste blogue poderás encontrar outros textos selecionados.
Saudações estudantis.
Zelaya acusa cúpula militar; Honduras resiste ao golpe
O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, falou à imprensa em San José, capital da Costa Rica, horas depois do golpe militar de direita que vitimou seu país. “A cúpula das Forças Armadas me traiu, me enganou”, denunciou. Em Honduras, o povo resiste à quartelada, faz manifestações, ergue barricadas diante dos blindados. Não é possível prever se o golpe se consolidará.
Zelaya disse confiar que o grosso dos componentes do exército, não concorda com o golpe. Classificou o movimento que o sequestrou nesta madrugada como um “atropelo da democracia hondurenha”.
“Estou em San José da Costa Rica, vítima de sequestro por um grupo de militares hondurenhos. Não creio que o exército hondurenho esteja apoiando esta interrupção do nosso sistema democrático. Isto foi um complô de uma elite que só deseja manter o país isolado e com níveis extremos de pobreza. Eles não se importam com as pessoas, não são sensíveis a isso”, disse Zelaya durante entrevista à imprensa no Aeroporto Internacional Juan Santamaría, em San José.
Apelo à solidariedade continental
“Eles invadiram a minha casa com tiros, empurraram-me com uma baioneta, ameaçaram atirar em mim. É um brutal sequestro que me fizeram, sem qualquer motivo exceto nosso desejo de fazer o bem a Honduras, de instalar um processo democrático participativo. Por isso não se pode justificar uma interrupção da democracia”, insistiu Zelaya.
O presidente especificou que em nenhum momento pediu asilo, ao contrário do que afirmou o portal digital do jornal espanhol El Pais. “Isto foi um sequestro. Peço aos presidentes das Américas, inclusive o dos Estados Unidos, que se manifestem”, disse ele.
Zelaya afirmou ainda que, “se o embaixador dos EUA em Tegucigalpa não está por trás disso, pode negar apoio [aos golpistas] e evitar esse terrível golpe que estão dando em nosso povo e na democracia”.
O presidente eleito em 2005 foi preso pelos golpistas na madrugada deste domingo (entre as 5 e 6 horas, pelo fuso local), e conduzido à força, com sua família, para uma base da Aeronáutica. Dali um avião o conduziu a San José.
Tegucigalpa esmagada pelos tanques
No dia em que os eleitores hondurenhos deveriam expressar nas urnas a sua vontade sobre um processo constituinte democrático, na consulta proposta por Zelaya, o país se confronta com o oposto da democracia. Há, no entanto, informações de resistência aos golpistas.
Tegucigalpa, a capital do país (1,2 milhão de habitantes na região metropolitana) estava nesta manhã com a energia elétrica cortada, os canais de rádio e TV fora do ar ou tocando música – para que seus habitantes não possam acompanhar as notícias. Tanques e blindados percorriam as ruas, enquanto aviões e helicópteros sobrevoavam a cidade. A residência presidencial foi cercada pelos golpistas. A tropa, simbolicamente, ocupava-se em recolher as urnas onde o povo hondurenho iria manifestar sua vontade.
A ministra de Relações Exteriores, Patricia Rodas, que estava na lista dos que seriam presos pelos gorilas, fez um apelo em favor da “resistência cívica” do povo hondurenho. Ela pediu que os populares se concentrassem diante da residência oficial do presidente.
Nas ruas da capital, manifestantes protestavam contra o golpe e desafiavam os blindados militares. Barricadas começaram a ser erguidas. Os cidadãos atenderam ao chamamento de Patrícia e de fato começaram a se concentrar diante da casa presidencial, cercada por 300 militares fortemente armados.
Grande parte da cólera do povo hondurenho volta-se contra a imprensa local, que vinha fazendo abertamente o jogo do golpe. Patrícia responsabilizou pelo golpe “o grupo econômico que domina os meios de comunicação”. Quiosques de venda do diário El Heraldo foram atacados por manifestantes.
Mídia no piloto automático
A mídia mercantil continental e brasileira vem cobrindo a quartelada de Tegucigalpa dentro de sua linha editorial partilhada, de rechaço ao processo democrático-mudancista na América Latina e apoio a todos os seus inimigos. Trabalhando no piloto automático, não se apercebe da gravidade antidemocrática do que acontece em Honduras.
Os órgãos de comunicação reproduzem sem espírito crítico a versão dos gorilas golpistas. Dizem que a consulta às urnas era “polêmica” (?), ou, pior, “uma farsa” (??). E que a deposição violenta do presidente eleito pelo voto popular em 2005 foi “em cumprimento a uma ordem judicial” (?!).
O país centro-americano de 7,7 milhões de habitantes e 112 mil km² (mais ou menos o mesmo que Pernambuco) viveu nesta madrugada um golpe militar de direita, típico da América Latina dos anos 60 e 70 do século passado. Em vez da consulta democrática às urnas, que era esperada para este domingo, uma clássica quartelada oligárquica como tantas que a região conheceu no passado.
O grave acontecimento é um teste de fogo para a unidade e a integração latino-americanas. É um teste igualmente para a nova administração da Casa Branca, mais ainda porque Zelaya fez menção a um possível envolvimento da embaixada dos EUA com os golpistas. As reações do presidente Barack Obama estão sendo seguidas passo a passo pela hoje vigilante opinião pública da região.
A pergunta é se Obama será coerente com as promessas que fez na recente cúpula da OEA (Organização dos Estados Americanos) ou se seguirá o mesmo caminho de seu antecessor, George W. Bush, que reconheceu o regime liberticida instalado pelos golpistas venezuelanos de 11 de abril de 2002, sem saber que o golpe fracassaria em menos de 48 horas, e radicalizaria o processo revolucionário na Venezuela. As primeiras declarações do chefe da Casa Branca foram de condenação moderada ao golpe.
Quem é Manuel Zelaya
O presidente Manuel Zelaya Rosales, 57 anos, é filho de uma família abastada de Tegucigalpa e não corresponde precisamente ao figurino dos novos e rebeldes líderes políticos latino-americanos. Elegeu-se presidente em 27 de novembro de 2005 pelo Partido Liberal de Honduras, um dos dois partidos tradicionais do país desde o século XIX.
No entanto, Zelaya elegeu-se em confronto com o Partido Nacional, que concentra as forças oligárquicas mais à direita e agora serve de suporte aos golpistas. Submetido à pressão popular, por exemplo da combativa organização sindical de professores, e sentindo os novos ventos que sopram na América Latina, ele vinha se acercando de uma linha mudancista.
Durante a semana que passou, Zelaya assumiu uma “corajosa conduta”, como descreveu o líder cubano Fidel Castro, que o comparou ao mártir chileno Salvador Allende. Face à sabotagem da consulta às urnas pelo Partido Nacional e pela cúpula militar (que têm raízes na mesma oligarquia social), Zelaya uniu-se aos movimentos sociais e foi à unidade militar resgatar as urnas mantidas ali, para assegurar a consulta aos eleitores neste domingo. O medo do voto precipitou a quartelada.
O processo constituinte proposto pelo presidente, que serviu de pretexto para o golpe, é um exemplo. A mídia mercantil o reduz ao eterno dilema dos “mandatos”, já que o de Zelaya termina em 2010 e a lei atual não permite a reeleição. No entanto, o que está em pauta é uma refundação democratizante do aparato de Estado do país, do tipo que se efetuou nos últimos anos na Venezuela, Bolívia e Equador. Caso o golpe fracasse, como é possível que aconteça, dada a resistência interna e o isolamento internacional, é bem possível que o processo se radicalize ainda mais.
Fonte: Vermelho