Que ao menos na sala de aula prevaleça a verdade!
Ontem (14), na universidade privada onde sou acadêmico do 4º período do Curso de Direito, em sala de aula, ocorreu um fato lamentável. Quando o professor de Direito Empresarial I discorria sobre linhas de financiamento, citando inclusive as dificuldades que as microempresas enfrentavam para conseguir crédito no Banco do Nordeste, pedi a palavra, e, sem fazer qualquer uso eleitoral da ocasião (sem citar nomes, partidos ou políticos envolvidos), a título de exemplo, fiz a seguinte afirmação:
– “Professor, o extraordinário já aconteceu. Naquela época do leilão das telecomunicações, uma empresa com R$ 1.000,00 (mil reais) de capital conseguiu financiar R$ 800 milhões.”
Numa atitude infeliz, o ilustre docente retrucou:
– “E de quem era a empresa?”
Confesso que não esperava aquela indagação, mas tão imediatamente quanto a pergunta respondi:
– “De um sócio do Serra!”
Replicou o mestre:
– “De um filho de Lula.”
E como em qualquer vale-tudo, os torcedores foram ao delírio ao ver um dos lutadores “pedir água” (render-se) diante do golpe desferido pelo oponente. Festa nas arquibancadas.
– “Mas não era na sala de aula?”, pergunta um leitor mais atento.
Realmente, embora o desfecho obscurecesse o cenário, percebíamos ali alguns bancos universitários, e gente querendo aprender.
Por esse motivo, considerando também a idade de boa parte dos alunos, muitos dos quais nasceram na década de 90, senti-me na obrigação cívica de elucidar, em poucas linhas, aquele momento histórico (a privatização das telecomunicações), valendo-me de fonte isenta (o portal do BNDES), e o desdobramento de uma investigação que resultou na responsabilização, pelo Banco Central do Brasil, do senhor Ricardo Sérgio de Oliveira, que em 1998 foi caixa das campanhas de Fernando Henrique Cardoso, para a Presidência, e de José Serra, para o Senado.
A constatação a que chegou aquele órgão público então “subordinado” ao próprio FHC foi equivocadamente distorcida pelo professor, que a confundiu com a insinuação noticiada pela Revista Veja, publicação do Grupo Abril, cujos interesses político-ideológicos são amplamente conhecidos, de que o senhor Fábio Luís Lula da Silva, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teria influenciado o investimento de R$ 5 milhões da Telemar numa empresa de tecnologia da informação, da qual Fábio Luís possui(ía) cotas, além de enriquecer ilicitamente, suposições que minguaram ao tempo da notícia, fabricadas com intuito de derrubar um governo legitimamente eleito, e que nem mesmo José Serra e aliados as requentaram nestas eleições por tão infundadas que eram.
Por oportuno, republico as matérias, expressões da verdade, encaminhadas aos amigos de curso.
Privatização das Telecomunicações
A aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda nº. 8 à Constituição Federal, em 8 de agosto de 1995, permitiu ao Governo Federal outorgar concessões para exploração de serviços de telecomunicações ao setor privado.
A Lei nº. 9.295/96 permitiu a licitação de concessões de telefonia celular da banda B.
Em julho de 1997, o Congresso Nacional aprovou a Lei Geral das Telecomunicações (Lei nº. 9.472), a base regulatória para o setor, que também continha as diretrizes para a privatização do Sistema Telebrás.
A privatização do Sistema Telebrás ocorreu no dia 29 de julho de 1998 através de 12 leilões consecutivos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ, pela venda do controle das três holdings de telefonia fixa, uma de longa distância e oito de telefonia celular.
Fonte: BNDES
Caixa explosivo
Relatório do Banco Central incrimina Ricardo Sérgio, que arrecadou dinheiro para Serra, em várias irregularidades
Principal articulador da formação dos consórcios que disputaram o leilão das empresas de telecomunicações, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, está tirando o sono da cúpula do PSDB e dos coordenadores da candidatura do senador José Serra. Companheiro de militância política de Serra desde a época do regime militar, Ricardo Sérgio, que em 1998 foi caixa das campanhas de Fernando Henrique Cardoso, para a Presidência, e de Serra, para o Senado, acaba de ser responsabilizado pelo Banco Central por um caminhão de irregularidades que favoreceram a entrada do Banco Opportunity em um consórcio para disputar o leilão da Telebrás. Mantido em absoluto sigilo, o relatório do BC, ao qual ISTOÉ teve acesso, é uma bomba que vai jogar estilhaços por todos os lados. O efeito é tão devastador que uma operação foi montada na Polícia Federal do Rio de Janeiro para abafar o caso. [O Presidente ainda era Fernando Henrique Cardoso]
Amigo de Serra, com quem trabalhou entre 1998 e 1999 no Ministério da Saúde, montando uma central de informações que recrutava arapongas, o superintende da PF no Rio, delegado Marcelo Itagiba, usou um dispositivo que lhe permite promover reformas administrativas internas para afastar na semana passada o delegado que investigava o caso. Deuler da Rocha Gonçalves comandava os dois inquéritos (civil e criminal) que investigam a participação de Ricardo Sérgio e de outros caciques do PSDB nas supostas irregularidades ocorridas no processo de privatização. Os inquéritos foram transferidos para a delegada Patrícia Freitas, recém-chegada aos quadros da PF, que substituiu Deuler na Delegacia de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais. Depois de ler o relatório do BC, Deuler havia antecipado a amigos que já possuía provas suficientes para indiciar Ricardo Sérgio e outros políticos ligados ao PSDB por falsidade ideológica, estelionato e corrupção.
Composto por atas de reuniões do Opportunity e da diretoria do Banco do Brasil, o relatório do BC, com cerca de 50 páginas, confirma o que o Ministério Público Federal já havia denunciado em 1999: a carta de fiança do BB, no valor de R$ 874 milhões, que permitiu à Solpart Participações Ltda, empresa do Banco Opportunity, participar do leilão, está repleta de irregularidades. De acordo com o BC, a Solpart, que não efetuou nenhum depósito e nem sequer ofereceu garantias para conseguir o empréstimo, foi fundada um mês antes do leilão, ocorrido em setembro de 1998, com o capital social irrisório de R$ 1 mil da Techold. Na avaliação do BC, esse dado já era suficiente para provar que a Solpart, que recebeu o nome inicial de Banco Opportunity Xin S.A., não teria condições de quitar a dívida.
Segundo o relatório, Ricardo Sérgio e os demais diretores do Banco do Brasil mentiram até mesmo na súmula de operações – na qual é analisada a proposta de garantia feita por empresas que tentam obter empréstimos -, ao dizerem que não foram apurados riscos na operação financeira. O risco seria detectado com uma simples consulta interna, que indicaria que a conta da Solpart havia sido aberta no BB cinco dias antes da aprovação do empréstimo. “A carta de fiança foi concedida apenas em critérios subjetivos, sem atentar para princípios da boa técnica bancária como os de seletividade, garantia, liquidez e diversificação dos riscos, demonstrando imprudência na gestão dos negócios da instituição financeira, fato que em tese configura delito”, diz o relatório do BC. O documento compromete também Pérsio Arida, que na condição de presidente do Conselho de Fiscalização do BB referendou a decisão de Ricardo Sérgio.
Apontado como um dos pontos mais nebulosos do governo FHC, a privatização das empresas de telecomunicações tirou Ricardo Sérgio das sombras. Principal articulador da participação da Previ, fundo de pensão dos funcionários do BB, na privatização do sistema Telebrás, Ricardo Sérgio, indicado por Serra para o cargo, foi flagrado por uma escuta telefônica dizendo ao ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros que iria conceder a carta de fiança pedida pelo grupo coordenado pelo Opportunity. “Estamos no limite da nossa irresponsabilidade”, assumiu. A participação da Previ e a carta de fiança eram indispensáveis, já que o consórcio não possuía o capital exigido pelo estatuto do BNDES, que definiu as regras para a participação no leilão.
Os passos de Ricardo Sérgio e do ex-ministro Sérgio Motta, que coordenou a campanha de FHC em 1994, também estão sendo apurados pela Receita Federal e pelo MP em Brasília. As investigações apontam que os rendimentos declarados por Motta e Ricardo Sérgio estão muito aquém dos valores em suas movimentações bancárias. As investigações mostram que, ao deixar o Banco do Brasil em 1998, o ex-diretor declarou ao Fisco um rendimento de R$ 1,4 milhão, que equivale a pouco mais da metade de seu patrimônio de R$ 2,58 milhões. É um valor bem distante dos cerca de R$ 170 mil de renda bruta que ele declarou em 1996.
Lavagem – De acordo com sua declaração de Imposto de Renda, somente com a sua corretora RMC, Ricardo Sérgio lucrou R$ 812.216,98. Esse montante corresponde quase ao valor total das cotas que ele possuía na empresa. Para a Inteligência da Receita Federal, esse fato reforça a tese de que a RMC pode ter sido utilizada por Ricardo Sérgio para lavar dinheiro. Já as declarações de IR de Sérgio Motta revelam que o ex-ministro morreu sem nunca ter declarado dois apartamentos de alto luxo em São Paulo que adquiriu por intermédio de contrato de gaveta da Ricci Associados e Engenharia e Comércio, empreiteira de propriedade dos sócios de Ricardo Sérgio na RMC.
Documentos que somente agora começam a sair do baú apontam também indícios de que os caixas de campanha dos tucanos efetuavam transações financeiras em paraísos fiscais. Em 1998, Ricardo Sérgio declarou ao Fisco ter enviado ao Exterior R$ 131.536,95 para uma empresa identificada por ele apenas como Franton Inc. O Fisco suspeita que a empresa possa estar localizada num paraíso fiscal. Os negócios de Ricardo Sérgio no Exterior constam também de documentos do 3º Cartório de Títulos e Documentos de São Paulo. Mostram que no dia 19 de fevereiro ele e seu sócio, Roberto Visneviski, compraram um escritório em São Paulo da Andover Nacional Corporation, empresa instalada nas Ilhas Virgens. Para especialistas em operações de lavagem, a transação é suspeita porque o responsável pela Andover é o próprio Visneviski. “Tudo indica que a Andover seja de Ricardo Sérgio e de seu sócio. Foi uma operação clássica de internação de dinheiro”, avalia o jurista Heleno Torres, consultor da Receita em operações de lavagem de dinheiro.
Torres aponta também como uma operação de internação de dinheiro a transferência do controle acionário da empreiteira Hidrobrasileira S.A., que ficou mais de 20 anos sob o comando de Motta, para a empresa PDI (Project Development International Coorporation), instalada em Luxemburgo. A PDI não passa de um escritório especializado em abrir empresas e contas de pessoas que preferem ficar no anonimato. Um mês antes de adquirir a Hidrobrasileira e se cadastrar na Associação Comercial de Luxemburgo, a PDI simulou um empréstimo de US 4,5 milhões com a Albion, instalada num paraíso fiscal qualquer, com juros de 4% ao ano – longe dos 11% ao ano cobrados pelas instituições financeiras da Europa. A simulação do empréstimo é uma operação já conhecida das Unidades de Inteligências Financeiras criadas em todo mundo para rastrear operações de lavagem. Sem procedência justificada, o dinheiro ilegal roda de conta em conta em paraísos fiscais até voltar limpo ao país de origem.
Fonte: Revista ISTOÉ Independente – Edição: 1695 – 27 de março de 2002
O elo perdido
Ex-sócio de Serra, Vladimir Rioli foi responsável por operações fraudulentas em parceria com Ricardo Sérgio
Amaury Ribeiro Jr.
Integrantes da tropa de choque que investiga irregularidades no Banespa, os deputados Robson Tuma (PFL-SP), Luiz Antônio Fleury (PTB-SP) e Ricardo Berzoini (PT-SP) ficaram revoltados com a operação abafa montada pela base governista para evitar o depoimento do economista Ricardo Sérgio de Oliveira na CPI que investiga operações podres nos tempos em que o banco era estatal. “Levamos um gol de mão aos 46 minutos do segundo tempo”, comparou Fleury. Os deputados passaram a última semana intrigados com o nervosismo demonstrado pelo Palácio do Planalto e pela cúpula do PSDB com a convocação. Caixa de campanha dos tucanos, Ricardo Sérgio estava intimado a comparecer à Assembléia Legislativa de São Paulo na quarta-feira, 22, onde seria realizada a reunião da CPI. Diante das câmeras de televisão, o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil deveria explicar uma operação montada por ele em parceria com o Banespa em 1992, que trouxe de volta ao País US$ 3 milhões sem procedência justificada investidos nas Ilhas Cayman, um conhecido paraíso fiscal no Caribe.
Receosos de que Ricardo Sérgio faltasse ao depoimento, os deputados Tuma e Fleury chegaram a acionar a Polícia Federal. Num encontro com o superintendente da PF em São Paulo, delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, os deputados receberam a garantia de que agentes federais conduziriam o economista até a Assembléia caso ele se recusasse a depor. Mas nada disso foi preciso. Uma manobra na terça-feira, 21, enterrou as pretensões da CPI. Aproveitando a ausência da bancada oposicionista, o deputado Julio Semeghini (PSDB-SP) aprovou, junto à Mesa Diretora da Câmara, a derrubada do depoimento, sob o argumento de que a operação ocorreu antes da intervenção federal. O período em que o banco ficou sob o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) foi de 31 dezembro de 1994 a dezembro de 1997. O presidente da CPI desmonta o argumento, dizendo que a comissão investigou várias operações de empresas privadas e ouviu muitos diretores do Banespa do período anterior ao Raet. “O PSDB só questionou quando Ricardo Sérgio apareceu. Foi um ato político”, acusou Fleury. Mas documentos obtidos por ISTOÉ revelam a existência de um novo personagem que, na verdade, é o verdadeiro motivo do empenho em evitar o depoimento do ex-diretor do BB.
A Operação Banespa que ajudou Ricardo Sérgio a internar dinheiro de paraísos fiscais foi aprovada pelo então vice-presidente de operações do Banespa Vladimir Antônio Rioli. Na época, o senador José Serra (PSDB-SP) era sócio de Rioli. De acordo com o contrato social, Serra tinha 10% das cotas da empresa Consultoria Econômica e Financeira Ltda. Rioli foi companheiro de militância de Serra e do falecido ministro das Comunicações Sérgio Motta na Ação Popular (AP), movimento de esquerda da década de 60 – e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB juntamente com Ricardo Sérgio. Era Rioli quem comandava todas as reuniões do comitê de crédito do banco estadual. Além de aprovar a operação que permitiu o ingresso dos US$ 3 milhões, ele autorizou outras transações envolvendo Ricardo Sérgio e a Calfat, uma indústria têxtil com sede em São Paulo, na qual o próprio Ricardo Sérgio atuava como presidente do seu conselho deliberativo. Em setembro de 1992, Rioli liberou para a tecelagem, sem nenhuma garantia, um empréstimo do Banespa no valor de CR$ 3,7 bilhões (correspondente hoje a R$ 1,7 milhão). Um ano depois, Rioli autorizou o Banespa a tocar várias operações de câmbio que permitiram ao ex-diretor do BB e à Calfat trazer outros recursos do Exterior, provocando um rombo nas contas do ex-banco estatal. O valor do prejuízo é desconhecido. O processo de cobrança dessa operação foi retirado da 5ª Vara Civil do Fórum de Santo Amaro, em São Paulo, pelos advogados do banco e sumiu misteriosamente em 1995.
A sociedade entre Rioli e Serra começou em 10 de março de 1986, quando o hoje candidato à Presidência estava deixando a Secretaria de Planejamento do governo Franco Montoro para disputar sua primeira eleição a deputado federal. A consultoria funcionou até 17 de março de 1995. Investidor da Bolsa de Valores de São Paulo, Rioli também é conhecido por sua ficha suja. Em 1999, foi condenado pela Justiça Federal a quatro anos de prisão – convertidos em prestação de serviços e pagamento de indenização – por liberar um empréstimo do Banespa equivalente a US$ 326,7 mil à Companhia Brasileira de Tratores, empresa da família Pereira Lopes, de São Carlos (SP), que estava em dificuldades e colecionava títulos protestados na praça. Em 1993, Rioli se envolveu em outro escândalo. Foi acusado pelo Tribunal de Contas da União de arquitetar uma operação que deu à Cosipa, na época estatal, um prejuízo equivalente a US$ 14 milhões. A operação, um fantástico contrato sem correção monetária numa época de inflação galopante, foi fechada em 1986, quando Rioli presidia uma outra consultoria, a Partbank S.A., e já era conhecido por dar passes de mágica no mercado financeiro. Na lista dos envolvidos, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a incluir um outro amigo de Rioli: André Franco Montoro Filho, que na época era diretor do BNDES e apoiou o negócio. Rioli e Montoro Filho também trabalharam juntos no programa de desestatização do governo federal.
Simulação – No entanto, nenhum desses escândalos ganhou tanta notoriedade no nervoso mercado financeiro paulista como a parceria de Rioli com Ricardo Sérgio na Operação Banespa. Quatro experientes investidores e banqueiros examinaram documentos da transação obtidos por ISTOÉ. Todos classificaram-na como uma engenhosa simulação de empréstimo com o único propósito de produzir um pretexto legal para trazer milhões de dólares de volta ao País, com o aval do Banespa. “Os documentos são assustadores. Mostram que Rioli era mais ligado a Serra do que o próprio Ricardo Sérgio. É surpreendente saber que os tucanos conseguiram usar o Banespa para internar dinheiro durante o meu governo”, diz o presidente da CPI, deputado Luiz Antônio Fleury, que governou São Paulo entre 1991 e 1994.
De acordo com a papelada obtida pela revista, Ricardo Sérgio conseguiu um feito que transformaria qualquer operador em herói: vender no exigente mercado internacional títulos de uma empresa falida. A transação foi feita por meio de um instrumento específico, tecnicamente chamado de Contrato Particular de Emissão e Colocação de Pagamento e Títulos no Exterior (Fixe Rate Notes). Especialistas do mercado explicam que, de tão sofisticado, esse tipo de operação é exclusividade de empresas do porte, por exemplo, da Petrobras, com credibilidade e estrutura para obter empréstimos a juros baixos no Exterior por meio da emissão de títulos. Acostumadas a operar esse tipo de transação, essas empresas em geral têm escritórios lá fora, equipes especializadas e um permanente cartel de clientes interessados em seus papéis, que ficam depositados em uma casa de custódia renomada até serem resgatados. Ao banco intermediário cabe apenas a responsabilidade de operar os recursos obtidos com a venda dos títulos e convertê-los em moeda nacional. Mas, no lugar de profissionalismo, a Operação Banespa reúne uma coleção de lances inacreditáveis.
Na época da assinatura do contrato, o Banespa não tinha nenhuma condição para realizar transação desse tipo. Envolvido em vários escândalos, faltava ao banco estadual tradição nesse tipo de negócio e também estrutura no Exterior para intermediar um lançamento de títulos. A Calfat, por sua vez, era uma empresa têxtil de médio porte em processo de liquidação. Além de não possuir condição de atrair investidores no Exterior, enfrentava uma avalanche de processos de execução na Justiça, o suficiente para impedi-la de passar um cheque na quitanda da esquina. Mesmo assim, o dinheiro foi transferido das contas do Banespa nas Ilhas Cayman para a conta da Calfat, na agência do banco em Campinas.
Segundo relatório da CPI do Banespa, Rioli também beneficiou com um empréstimo de R$ 21 milhões, em 1993, o empresário Gregório Marin Preciado, casado com uma prima de Serra e ex-sócio do senador em terreno no Morumbi, área nobre de São Paulo. Os empréstimos, sem nenhuma garantia legal, foram concedidos às empresas Gremafer e Aceto, de propriedade de Preciado, que estavam em processo de liquidação e até hoje não foram quitados.
Títulos podres – Para investidores experientes consultados pela revista, esses dados bastam para provar que a Operação Banespa não passou de uma simulação. A CPI e o Ministério Público suspeitam que a transação trouxe uma sobra de campanha, já que Ricardo Sérgio e Rioli trabalhavam como arrecadadores. “Tudo indica que a Calfat emitiu títulos podres no mercado externo, que foram resgatados a valores superfaturados pela própria empresa ou empresas amigas. Essa operação acabou permitindo o retorno do dinheiro, provavelmente sobra de campanha, que estava sem procedência no Exterior. Caso contrário, significa que o Banespa assumiu todos os riscos de uma operação com uma empresa falida, um escândalo ainda maior”, afirmou um banqueiro familiarizado com esse tipo de negócio, ao analisar os documentos. Especialista em operações de lavagem de dinheiro, o jurista Heleno Tôrres explica que negócios desse tipo são cada vez mais conhecidos das unidades de inteligência financeiras, criadas em todo o mundo para rastrear transações financeiras ilícitas. Segundo Tôrres, as empresas compram no Brasil títulos podres e, em operações fajutas, vendem os papéis no Exterior a preços astronômicos. Na verdade, os títulos são resgatados pela própria empresa que os lançou em operações casadas. O jurista explica que a diferença entre os valores de compra do papel no Brasil e os do resgate, na verdade, corresponde à quantia que acaba sendo internada – e esquentada – no País.
Fantasma – Uma juíza federal que trabalhou no mercado financeiro diz que, para dar legalidade a operações assim, os contratos seguem todas as exigências habituais. Quando envolvem empréstimos simulados – o caso da Operação Banespa -, há cobrança judicial e até a penhora de bens e fiadores para dar cumprimento às normas do Banco Central. Só que, como se trata de uma operação-fantasma, a cobrança se arrasta até o arquivamento, sem que a dívida seja paga, e os advogados do banco dão um jeito de nunca incluir os fiadores e donos de empresas executadas na lista de inadimplentes da praça. Foi exatamente o que aconteceu na Operação Banespa. Na 4ª Vara Cível do Fórum de Santo Amaro tramitam dois processos de 1994, movidos pelo Banespa contra Ricardo Sérgio pelo não-pagamento dos US$ 3 milhões. Os autos do processo revelam outro absurdo: a garantia da operação foi a hipoteca de uma fábrica da Calfat em Leopoldina, Minas Gerais, comprovadamente insuficiente para quitar a dívida, mas o Banespa jamais tentou avançar sobre os bens do economista para diminuir seu prejuízo, apesar de seus conhecidos sinais de riqueza.
Outras operações tocadas por Ricardo Sérgio mostram sua habilidade em atuar em paraísos fiscais. Em 1989, o ex-diretor do BB realizou uma operação para trazer ao Brasil dinheiro que estava em Tortolla, nas Ilhas Virgens. Os documentos dessa transação mostram que no dia 19 de fevereiro a Andover Nacional Corporation, uma empresa sediada naquele paraíso caribenho, comprou do banco americano Wells Fargo um escritório localizado na avenida Paulista.
Uma escritura lavrada em Nova York prova que o representante da Andover era Roberto Visneviski, sócio de Ricardo Sérgio. Um ano depois, Ricardo Sérgio e o próprio Visneviski compram o mesmo escritório da Andover. Numa operação esdrúxula, o sócio de Ricardo Sérgio assina duas vezes o termo de venda do imóvel: como comprador e vendedor. “É uma típica operação de internação de dinheiro”, atesta o jurista Tôrres.
O tal escritório acabou se transformando na sede da Westchester, uma das consultorias do ex-diretor do BB. Frequentada pelo alto tucanato, a empresa foi fechada em 1998, depois que Ricardo Sérgio deixou o governo como pivô do escândalo em torno do processo de privatização da Telebrás. Vítima de um grampo, o economista cunhou uma frase para a história: “Estamos no limite da irresponsabilidade.” Já o encerramento da parceria de Serra e Rioli na empresa de consultoria confirma a proximidade entre tucanos de alta plumagem. O documento que selou o fim da empresa foi assinado dentro do escritório da Hidrobrasileira, empreiteira que pertenceu durante 20 anos a Sérgio Motta. No dia 28 de janeiro de 1995, dias depois de Serra assumir o Ministério do Planejamento no primeiro governo FHC, Rioli nomeou Dellinger Mendes, sócio de Motta na Hidrobrasileira, como seu procurador para providenciar o encerramento das atividades da consultoria.
Luiz Alberto Souza Aranha, outro sócio de Motta na Hidrobrasileira, assinou como testemunha. Nesse mesmo período, Dellinger e Luiz Alberto estavam à frente de uma simulação de venda, a da própria Hidrobrasileira para a PDI, uma companhia offshore instalada em Luxemburgo, outro paraíso fiscal muito procurado por brasileiros. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que antes de comprar a Hidrobrasileira a PDI – Project Development International simulou um empréstimo de US$ 4 milhões junto à Albion Inc., também com sede em Luxemburgo. O esquema usado pela Hidrobrasileira é conhecido nas cartilhas de lavagem de dinheiro. Depois de rodar de conta em conta em paraísos fiscais, o dinheiro acaba voltando ao País em operações suspeitas. No caso da transação envolvendo a PDI e a Albion, o depósito final foi na conta da Hidrobrasileira no Banespa. As semelhanças levam o Ministério Público e a CPI a suspeitar de um grande esquema de internação de dinheiro. Ao seguir os rastros da PDI e da Albion, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a comissão ligada à Receita Federal encarregada de rastrear operações de lavagem de dinheiro, tem poderes para identificar a origem do dinheiro.
Fonte: Revista ISTOÉ Independente – Edição: 1704 – 29 de maio de 2002